A imortalidade que a tecnologia matou

Percorrendo a exposição "Por teu livre pensamento", histórias de 25 ex-presos políticos portugueses (Fotografias de João Pina)», patente no CPF, deixei de ter dúvidas sobre a importância da imagem antiga e do seu valor interno. A idade, dá um poder à imagem que não deverá de todo ser menosprezado. Toda a época e suas expressões estão contidas numa fotografia, sendo ela casual ou não.

É verdade que sempre me fascinei com as fotos antigas de família, pessoas que nunca vi, pessoas que não reconheço, vidas que não sei como foram.
Voltei a elas. Riu-me cada vez que vejo um tio meu e o seu estilo rebelde para a época, ou o cabelinho lambido do fulano e o vestidinho da sicrana. Cada foto desfocada conta uma história, mas os olhares que se cruzam dentro delas acabam por dizer tanto e tão pouco. Porque será que nos parecem mais autenticas essas pessoas do que as de agora? Porque é que tudo parece mais verdadeiro e mais leal que as fotos que tenho no meu próprio álbum? Existe, pelo menos para mim, um sentimento de nostalgia de um tempo que não vivi.

Por outro lado, temos a pressa dos dias de hoje e a sua necessidade visceral de renovação. O culto do novo pelo rápido e eficaz. O bom, o bonito e o barato. A revolução IKEA.

O design, vítima destes mesmos modos de adaptação social, acaba por ser conduzido à renovação perpétua.
Por um lado, é bem provável que seja isso que faz muitas vezes o design se mover, se adaptar ao mundo e de ter trabalho para concretizar. Um constante upgrade de si mesmo.
Frequentemente, não se trata de inventar nada de novo, de criar do nada. Uma boa percentagem do trabalho que se faz parte da insatisfação do cliente sobre o seu produto, e o seu medo de ser deixado para trás face o horror de ser dado como antiquado.

REDESIGN

Já me pararam nas mãos trabalhos em que o objectivo seria renovar a imagem. Todos os anos, esta empresa decide modificar quase toda a sua identidade. Todos os produtos levam uma lavagem anual para apelar os utilizadores à compra do produto, que, também ele não é novo mas “arranjado”. Enfim, um certo exagero, principalmente porque acaba por ser necessário que o designer alerte para os problemas de identificação do produto, para que haja atenção ao grupo de clientes que não se adaptam muito bem a mudanças e para que, em vez de um redesign total e radical que vai desde os 30 ícones de 8 bit até à embalagem, haja alguma coerência com o produto anterior.
Infelizmente, nem todos são conduzidos para a posição do comprador/utilizador.


Para quem não tem muita noção, o redesign é uma forma de design que não se extinguirá tão depressa quanto isso. Mas existe já uma outra noção, o realign.

REALIGN


Em termos muito simples, o realign tem uma relação mais estreita com as pessoas e menos com a tecnologia. Surge como contraposto ao redesign, embora seja muitas vezes confundido com ele.
Para os redesigners, os problemas são colocados face à desactualização e ao aspecto velho, onde o redesign entra para tornar algo mais apelativo.
Muitas vezes, o aspecto, o esquema de cores, o layout e a identidade são apresentados como soluções aos problemas, mesmo antes de se colocar em causa se opções menos estéticas não seriam uma resolução mais eficaz.

No realign, sob a condição de mudança das necessidades dos utilizadores, colocam-se as questões de haver a precisão de adaptação a essas mudanças ou mesmo se os conteúdos apresentados são tão eficazes quanto podem ser.
Um exemplo, de falta de realign é a confusão que é gerada todos os anos para apresentar as declarações do IRS via net. Todos os anos as mudanças de funcionamento e layout são tão radicais que é complicado fazer-se à primeira.

Será natural que a maior parte dos designer não se preocupe expressamente com estes preciosismos, afinal, somos criativos e só depois estratégicos. Muitas vezes, redesign, até certo ponto acaba por manter a imagem de reparador dos erros de alguém, ou seja, significa estar no topo face ao anterior designer.

Mas nem sempre isso acontece, existem ainda designers que desafiam as convenções do simples “fazer”. A opção de deixar uma página em branco ou decidir não fazer nada (como já houve exemplo disso, ex: Karel Martens em livro “View to the Future”), é algo que nem todos estão dispostos a assumir por ser algo tão delicado e necessariamente equilibrado.

Segundo alguns pensamentos, o realign passa por alguns passos:
1 ∙ Assegurar a razão de ser − Quais são as razões, objectivos, propósitos para o realign?
2 ∙ Determinar o nível que requer − As modificações mínimas serão suficientes ou terá de ser algo total?
3 ∙ Avaliar os custos de mudança − Qual será o impacto para os utilizadores?

À parte de tudo isto, o velho não tem que necessariamente ser inútil, vemos hoje, uma crescente busca de velhos conceitos, imagens e estilos. O que era velho está a reciclar-se para novos espaços e moldes. O barroco, o artesanal e o manual está a ganhar valor no mercado e vem ocupar um espaço precioso para a vida de pequenos grupos sociais.

a ∙ Tertulia Castelense
b ∙ Vestigio

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