A sociedade no design

Vou começar esta conversa solitária falando de um episódio que aconteceu à cerca de três anos na finada “Experimenta design” em Lisboa.
A conversa de abertura, na qual estive presente com uma série de caras conhecidas, focava ideais sobre a conduta e a posição do designer e do design em si face ao mundo em mudança, face às características sociais a que o designer faz parte e face ao trabalho renumerado a que é difícil fugir.


Max Bruinsma liderava a conferência e falava-se, segundo aquilo que ainda me recordo, sobre as preocupações ambientais, sobre rejeitar alguns clientes por causa do que eles representam (ex.: Galp), sobre o negócio que é a prática do design...

Não sei se foi o muito tempo de pé ou se era aquele calor abrasador que me fez intervir na conversa quando alguém deu autorização para comentários.
Concordei de forma geral com o que foi ali dito, mas tive que me erguer, como ser consciente do país que vivo, e apelei à necessidade de fazer valer, em primeiro lugar, a existência pura do design. Que adianta podermos viver sobre os rendimentos proporcionados pelas mercearias da nossa rua (trabalhar para os que estão próximos de nós), se essas mesmas pessoas nem sequer sabem que design existe, que não é apenas uma coisa que brota das árvores e que há pessoas que passam anos a estudar para algo que é mais que vácuo?

“O filho de um amigo meu sabe mexer nos computadores” (para quê comentar isto? Só espero é que daqui a alguns anos, quando todos já saberem teclar qualquer coisinha, arranjem uma frase melhor).

Concluo que a minha falta de bajulação e frontalidade excessiva para aquela hora do dia e naquela situação não caíram nas suas boas graças. Em contrapartida consegui notar sorrisos que de bom grado me quiseram dar um sinal de apoio. Profissionais que estão habituados às controvérsias de países que tentam dar sinais de não pertencer a um terceiro mundo e ainda que lutam, tal como nós neste extremo da Europa, em conseguir dar voz ao progresso do design de comunicação. Simplesmente comunicar.

Passados anos, não ponho de lado a minha posição da altura, mas não posso discordar que, realmente, existem pólos sociais, culturais e económicos que necessitam da nossa atenção e de certa forma das nossas capacidades, enquanto agentes de comunicação, profissionais aptos em resolver problemas. Há que dar igualmente, um novo significado às coisas que estão dominadas pelo marketing e pela publicidade, dar novas perspectivas com novos recursos, em nome de um maior desenvolvimento pessoal, social, económico e cultural.

Em apoio a teorias do género, foi redigida, este ano, a Declaração de Design de Kyoto à qual vale ler e pensar.

Kyoto Design Declaration 2008


A Aiga endossa os princípios da responsabilidade do designer na construção se sociedades criativas ausentáveis e centradas no ser humano documentadas na Declaração de Design de Kyoto por membros da Cumulus, a associação internacional de universidades e escolas de arte, design e media.

PROPOR NOVOS VALORES E NOVAS FORMAS DE PENSAR.
Todas as pessoas do mundo vivem, neste momento, em sistemas globais e interdependentes. Nós continuamos a melhorar a qualidades das nossas vidas criando ambientes, produtos e serviços utilizando o design. Design é um meio de criar valores sociais, culturais, industriais e económicos através da junção de humanidades, ciências, tecnologias e artes. É um processo de inovação centrado no Homem que contribui para o nosso desenvolvimento propondo novos valores, novas formas de pensar, de viver e de se adaptar à mudança.


UMA ERA DE DESENVOLVIMENTO HUMANO
Um paradigma de mudança da condução tecnológica ao desenvolvimento centrado no Homem está em condução. O focus está a mudar do materialismo e valores visuais para aqueles que são mentais, intelectuais e, possivelmente, menos material. Uma era de “produtividade cultural” começou, onde a importância atribuída aos modos de vida, valores e símbolos possam ser reunidos e sobrepostos a produtos físicos. O pensamento de design permanece imutável no centro deste continuum. Simultaneamente, este desenvolvimento dá luz à importância das tradições culturais e à necessidade de estende-las e revitaliza-las.

O IMPERATIVO DOS DESIGNERS EM ASSUMIR NOVOS PAPEIS
O desenvolvimento global, e uma garantia de crescimento dos problemas ecológicos e sociais colocam novas exigências e oferecem novas oportunidades ao design, ao design de educação e design de pesquisa. O design é desafiado a redefinir-se e os designers têm de assumir novos papeis e comprometer-se a encontrar soluções que conduzam a um futuro sustentável.

PROCURANDO COLABORAÇÃO NO ALCANCE DE IDEAIS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Os membros da Cumulus, representando uma comunidade global de educadores de design e investigadores, tomam a iniciativa, através da Declaração de Kyoto, em se comprometerem aos ideias do desenvolvimento sustentável. Além disso, os membros da Cumulus concordaram em procurar colaboração com instituições educacionais e culturais, companhias, governos e agências governamentais, associações profissionais e outras e NGOs para providenciar ideias e partilhar os seus conhecimentos sobre desenvolvimento sustentável.

DA EDUCAÇÃO À RESPONSABILIDADE GLOBAL
De forma de cumprir a missão de contribuir para o desenvolvimento social, ambiental, cultural e económico para a geração actual e a do futuro, e para contribuir com um ambiente e cultura que faça a vida o mais harmoniosa e saudável possível, os membros da Cumulus fazem esta declaração. Os membros vão se comprometer a aceitar a sua parte na futura educação dos mais novos dentro de um sistema de valores onde cada um de nós reconhece a sua responsabilidade em criar sociedades sustentáveis, centradas no ser humano e criativas.

O PODER EM FAZER MELHORIAS FUNDAMENTAIS PARA O NOSSO MUNDO
O pensamento centrado no Homem pelo design, quando enraizado em princípios universais e sustentáveis, tem o poder para fundamentalmente melhorar o mundo. Pode beneficiar todas as pessoas num panorama económico, ecológico, social e cultural, aumentando a sua qualidade de vida e criando optimismo sobre o futuro e o individuo e espalhando felicidade.


IMPLEMENTAÇÃO
As assinaturas desta declaração concordam em submeter anualmente um relatório à Secretaria Cumulus informando sobre as acções que tomaram para implementar esta declaração. Os relatórios serão publicados no website da Cumulus e através dele serão postos à disposição de todas as partes interessadas.




Este protocolo foi escrito por Yyjö Sotamaa, reitor da Universidade de Arte e Design de Hensinki TAIK desde 1986, e fundador e ex-presidente da Cumulus.
Recurso: Aiga
Tradução: Ponto Branco



Download "Warsaw Working Paper" (pdf.)

0 comentários: