Em toda a história da sociedade, pelo menos da ocidental, as novas tecnologias e avanços técnicos e tecnológicos passam por uma fase de negação por partes da crítica e de conservadores extremistas ou nem tanto. Não foi apenas à locomotiva que a população decidiu atirar pedras e o tomatinho podre. Apostando que proclamaram a morte da caligrafia com a contribuição para a tecnologia da impressão e tipografia por Gutenberg, não diferente foi a reacção ao cinema/projecção, à televisão, ao computador, à internet... por serem os futuros assassinos do livro, das cartas, das relações pessoais, e claro à própria tipografia num mundo que se torna mais visual e imagético.
A verdade é que nos dias de hoje vemos tipografia por todo o lado quando ligamos a televisão (dado ser este o tema a tratar), ele aparece em todo o lado em redor do ecrã. No telejornal chegamos a ter duas tiras de texto a correr permanentemente; temos o logo no canto superior esquerdo, o sinal de teletexto para surdos, o filete que aparece a anunciar o programa que se segue...
Enfim, muito texto! Mas para ser utilizado exige muito mais a saber que o simples conhecimento que adquirimos para impressão.
Outras formas mais artísticas são postas em prática em séries de tv, filmes ou mesmo desenhos animados, mesmo estas seguem alguns parâmetros.
Para ajudar, David Earls publicou um texto sobre esta problemática do texto no ecrã:
Para aqueles que vêm trabalhando em múltiplas medias e para os que têm um “background” em design impresso, algumas regras são necessárias saber para bem trabalhar no design de televisão.
A HISTÓRIA EXPLICA TUDO
Primeiro, vamos olhar para a tecnologia, a sua história e os seus problemas.A TV é actualmente uma tecnologia um tanto velha (...). Os standards são PAL, NTSC e SECAM. SECAM foi desenvolvido por um francês numa decisão política de proteger o seu material. Interessante é o facto de muitos países orientais adoptaram SECAM por motivos políticos. NTSC é um sistema americano, e PAL é uma forma melhorada dele. Que melhor forma de atrasar o imperialismo cultural que usar um sistema de televisão incompatível? Para estes propósitos, se estás a fazer design para SECAM, trata-o como PAL.
Para quê os diferentes standards? Bem, tem tudo a ver com suplementos de electricidade. Na maior parte dos casos, encontrarás NTSC a ser usado em países com 60Hz de energia, e PAL com 50Hz. Tornou as coisas mais fáceis para os engenheiros eléctricos numa altura em que reinava o analógico. A energia era usada basicamente como um relógio, permitindo os engenheiros contar quando o próximo frame de vídeo deve ser mostrado.
Como resultados, nós temos diferentes “frame rates” em todo o mundo. PAL passa uma imagem de maior resolução (com cor superior) a 25fps (frames por segundo) e é menos que NTSC que trabalha a 30fps (bem, 29.97 actualmente, desde que a cor foi introduzida). O que faz com que a diferença de “frame rates” tenha a ver com tipografia? Isto é importante.
Por isso, porque é que um ecrã de 60Hz cria uma imagem de 30fps e não 60fps? Bem, os ecrãs de televisão são, para a maior parte, entrelaçados. Isto significa que a imagem é feita em dois passos, chamados campos (fields). Por exemplo, se uma imagem for feita com mais de 20 linhas, então é possível que todas as linhas ímpares são mostradas em primeiro lugar, e depois as pares. Isso tem dois efeitos positivos, animações e vídeos com base em linhas podem tomar vantagem do pequeno atraso para fazer com que o movimento rápido pareça suave ao olhar, e segundo, numa alta resolução, engana o olhar.
O outro lado disso é que certos tipos de imagem saltam (flicker). Pensa nisso, se tens um padrão feito de linhas brancas alternadas com pretas (...), então, na televisão, irá aparecer um frame em branco. É por isso que os altos contrastes podem parecer vibrar na televisão.
A seguir vêm as guias de segurança. Nos ecrãs de LCD dos computadores, a imagem é vista de uma ponta à outra. A televisão não trabalha da mesma maneira, infelizmente. Primeiro, há o problema de “overscanning”. As televisões, para ocupar todo o espaço, passam imagens que vão para além dos limites do ecrã visível. A isto é chamado de “overscanning” e é para ser tomado em consideração por todos os que trabalham em transmissão de televisão. A área de televisão que é geralmente guardada para se salvar para imagem é chamada de “Action Safe”, qualquer acção crítica dentro do sinal de televisão que tem que ser visto pelo espectador é guardado dentro desta “action safe” área.
A seguir, as televisões, sendo velhas CRTs, não são consistentemente afinadas como o LCD e outras novas tecnologias. Nos limites, CRTs perdem focagem e definição. Isto é muito importante para a tipografia pois o que é perfeitamente lido em ecrã pode ficar nublado até à impossibilidade de leitura. Por sua vez, dentro da área “action safe”, há outra pequena área chamada de “Title Safe”, que é geralmente guardada para estar longe de desfoque.
Discutimos sobre resoluções diferentes, entrelaçados e campos, e como países diferentes usam diferentes standards com diferentes “frame rates”, e ainda “overscanning” e zonas de segurança...
A PAR COM TIPOGRAFIA
1. Gostando ou não, toda a tipografia para televisão tem de ser “anti-aliased”, sem excepção. Se não for, o contraste entre a tipografia e o cenário causa saltos devido ao entrelace.
2. Evita fonts com finas linhas horizontais, novamente, elas vão tremer que nem doidas por causa do entrelace, mesmo quando são “anti-aliased” e suavisadas. Experimenta e usa fonts que tenham pelo menos 2 pixels de profundidade em qualquer linha horizontal.
3. (Assumindo a resolução de 72pt) Não uses uma font mais pequena que 18pt, experimenta e mantém uma maior que 21pt quanto possível. Além dos items 1 e 2, lembra-te do contexto em que as imagens são apresentadas. Tu estás provavelmente a menos de um metro do teu computador, mas provavelmente vais estar mais longe da TV. (...)
4. Escolhe fonts com um peso grande (bold, black...). Vai permitir que experimentes tamanhos menores (menor de 28pt) mas mantendo legível.
5. Não uses fonts serifadas. As serifas quebram no ecrã, a não ser que sejam mesmo muito grandes. Placas ou cunhas serifadas são boas alternativas, mas, experimenta sempre num monitor antes de finalizar.
6. Se estás a desenhar para 16:9, lembra-te que a arte final vai ser sempre anamórfica (esmagada) e vai perder alguma resolução vertical. Tenta não escolher tipos “thin” ou “narrow”, elas podem se desintegrar em tamanhos pequenos. Não é a área para brincar com fonts de cartazes para filmes! Enquanto estamos no assunto, se o teu 16:9 é mostrado num 4:3 (formato normal de TV), diminui a imagem de forma a aparecerem duas barras pretas, uma em cima e outra em baixo. Melhor que ter os lados cortados. Tem em conta que a tipografia vai ser mais pequena e por sua vez menos legível. Podes ter que compensar para isto.
7. Para ecrãs estáticos ou sobrepostos, faz “gaussian blur” o ecrã final por «0.3» no Photoshop: isto vai ajudar com as tremidelas pois reduz o contraste entre o fundo e a tipografia.
8. Tem cuidado com tipografia vermelha, especialmente a muito saturada e para usar em sistemas NTSC. Tem a tendência para ganhar margem. Vê o teu design numa televisão ou num monitor de transmissão para assegurar se usas muito vermelho.
9. Isto é onde as pessoas discordam: receia as fontes muito batidas, elas podem aparecer para preencher num bocado, tal como a impressão num jornal, especialmente quando suavizas a font um pouco para cortar no flicker. (exemplo: font Impact)
10. Quando animando tipografia, experimenta “frame blending” e “motion blur”, que pode dar um resultado mais suave. No entanto tem cuidado, pode impedir legibilidade em movimento, especialmente abaixo de 36pt.
11. Onde possível, recompõem a tipografia animada para o sistema que usares. Por exemplo, se for NTSC e precisar de mudar para PAL, o processo standard de conversão tem de interpolar frames de cerca de 30fps para 25, ou vice-versa. Isto pode causar um efeito fantasma em cada imagem. Em tipografia, é inevitável o alto contraste, isso pode ser muito notório. Segundo, por causa das resoluções usadas, vai ser preciso interpolar pixels em falta, uma pequena perda em qualidade. É mais trabalho, de certeza, mas os resultados são suaves e de maior qualidade se criares duas versões nos “frames rates” e resoluções certas.
12. Vê o teu trabalho! Como te parece no computador não vai ser como aparece na televisão. Verifica, de preferência a alguma distância.
Transcrições de um texto de David Earls (2004)
Links:
Como a TV funciona
Texto original de David Earls (inglês)
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